Oração

Ah, meu Deus, tenha pena de nós, todos os brasileiros desta  nação tupiniquim que vai se desmilinguindo a cada dia.

Narizes enormes, bocas desbocadas, orelhas peludas… somos aberrações de caricaturas.

E agora? 

Tivemos um pouco de paz, tudo ia bem, crescíamos, éramos vistos pelo mundo, inflação controlada.

Quantos anos de sossego!

Minha filha não conhece a experiencia no supermercado cheio de funcionários armados com etiquetadoras a subir os preços, sempre e sempre.

Minha filha não conheceu a senhora despótica que tornou nossas vidas um flutuar em mar aberto, náufragos, náufragos…

E agora, Deus, quem tem mais de cinquenta anos antecipa o calafrio, a febre do despropósito.

Meu Deus amado, resolva! 

Chega de procrastinação, resolva logo!

Se é para acabar com tudo, que tudo se acabe logo!

E assim em um átimo, deixaremos de perceber, sentir.

Anestesia geral.

O fim do mundo.

Alquimias na cozinha

Faz tempo… Ainda em São Paulo, muitos anos antes da minha Helena nascer.

Mas me lembro como se tivesse acontecido ontem.

Estávamos, a Maristela e eu, na cozinha. Eu preparava uns ovos cozidos para decorar a maionese, enquanto tagarelava com a amiga, que estava sentada em um dos tamboretes que havia ali. 

Como sempre, estava frio, e as roupas no varal da área de serviço tapavam a pouca  luz natural que poderia entrar pela porta aberta.

Estávamos animadas, discutindo filosofias, muito distraídas.

Depois que a água ferveu, esperei mais dez minutos – para ovos duros, como meu pai me ensinou – apaguei o fogo, joguei a água pelando na pia e abri a torneira para esfriar os ovos e eu poder descascá-los.

Conversa que vai e vem, descasquei o primeiro e o segundo ovos e já descascava o terceiro quando estranhei a consistência e as cores.

-O que é isso? – perguntei abobada.

Maristela respondeu pragmática:

– Um pinto!

Em um átimo joguei longe a gororoba, estressadíssima.

Maristela me fez o favor de catar e jogar no lixo, enquanto eu sofria com horror.

Hoje imagino  que eventualmente algum chef possa desenvolver a iguaria: Poussin en sarcofage.

Naqueles velhos tempos não havia ainda a ANVISA. Ninguém seria responsabilizado pelo susto que tomei. 

E talvez venha daí a minha intolerância aos ovos. 

Bom,  pelo menos não estava dentro de uma garrafa de coca-cola, o que estragaria definitivamente o meu prazer pelo refrigerante!